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“As bocas do tempo contam a viagem”: O que pode um breve grupo de teatro?


por Gabriela Carriel Zacheu



. Um ensaio literário.



De tempo somos. Somos seus pés e suas bocas. Os pés do tempo caminham em nossos pés. Cedo ou tarde, já sabemos, os ventos do tempo apagarão as pegadas. Travessia do nada, passos de ninguém? As bocas do tempo contam a viagem.

Eduardo Galeano



Duas horas por semana, os atores ocupam o espaço com suas mochilas, cadernos, canetas, garrafinha de água, copo de café. No canto da sala preta, costumam deixar seus apetrechos e objetos enquanto tiram seus sapatos, o que ritualiza o início da aula. Os barulhos externos de uma cidade do interior são observados e percebidos pelos atores: o motor das motos, o acelerar e frear dos carros, as buzinas, pessoas que conversam e riem. Eles são convocados: “observem e percebam o ambiente, escutem com o corpo todo”. “Busquem a construção de vínculo, de confiança entre vocês. Estejam atentos neste momento presente. Busquem experimentar movimentos no corpo nunca feitos, lembrem-se de cada musculatura, cada ossatura”. E seguiam as propostas. “Descubram como fazer este jogo juntos, descubram ou inventem maneiras de resolver esta tarefa em grupo”. Caminhos que foram compondo as aulas como uma aposta de que o teatro pode vir a ser um lugar de experimentação.


Certo dia, foram convocados a pensar juntos, em roda, sobre o que lhes interessava falar em uma peça de teatro. Tímidos, a princípio, diziam não saber. Com o tempo passando, os encontros revelaram ser uma oficina de ideias, interesses e vontades, que iam se aguçando até construírem um desejo comum. Percorreram uma bonita jornada, desenhando linhas, formas, traços. Havia uma decisão. Decidiram um tema que culminou em uma criação dramatúrgica coletiva. O tempo para contruir uma peça era breve e com ele, alguns afetos começavam a permear, como o medo e a insegurança. Medo em razão do pouco tempo para a escrita de um texto que desse conta de abraçar tais vontades, e a insegurança da possibilidade de não estar pronto até o dia da apresentação. Além disso, existia o fato de que, alguns atores, entraram em meio ao processo que já havia se estabelecido, e outros saíram, o que foi preciso lidar com a imprevisibilidade dos movimentos do grupo. Entretanto, foi possível assegurar, que nem a questão temporal foi o suficiente para estremecer esses atores e suas potências. Surpresas boas do caminho. Entre sons, texturas, imagens, cores, objetos e materiais, o universo da peça foi se criando. Agora, este universo já fazia parte deles. Estava neles e com eles.


O dia chegou. O primeiro sinal tocou. A convenção estabelecida no teatro é de que, depois do terceiro sinal, o espetáculo se inicia. Reuniram-se, fizeram uma roda, como nos tempos de aula. O segundo sinal tocou. Ouvia-se “é diferente essa sensação”, “parece que meu coração vai sair pela boca”. Foram encorajados: “Se divirtam!”. Eles abriram um sorriso aliviados, mas eufóricos, muitos deles iam ter sua primeira experiência no fazer teatral. Haviam esquecido que antes de tudo, precisavam se divertir. Agora é a hora. O terceiro sinal tocou. E então o grupo fez sua travessia.



Referência

GALEANO, Eduardo. Bocas do tempo. L&PM, 1ºed, 2010.

 
 
 

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