(In)visibilidade: Reflexões e percepções sobre o papel dos Núcleos de Convivência de Idosos
- Leide Azevedo
- 14 de dez. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2024
por Beatriz Nascimento e Leide Azevedo

. Um ensaio sobre políticas públicas da Assistência Social e idosos.
Apesar de todos os homens nascerem livres e iguais em dignidade e direitos, os direitos à vida e à dignidade sempre estiveram fora do alcance para algumas populações, como os idosos e as pessoas com deficiência.
(In)visibilidade: Reflexões e percepções sobre o papel dos Núcleos de Convivência de Idosos.
Dia 1º de outubro de 2023, o Estatuto do Idoso completou seus 20 anos de existência no Brasil. Com o objetivo de fortalecer as reflexões deste campo, neste ensaio abordaremos a percepção de que haveria, por parte dos idosos, um desconhecimento do trabalho realizado pelo Núcleo de Convivência de Idoso (NCI). Baseando-nos na experiência enquanto psicólogas de um NCI localizado na zona norte de São Paulo e, mais especificamente, nas visitas técnicas realizadas aos idosos, discutiremos a invisibilidade que esse serviço parece ter.
O NCI faz parte da política pública de Assistência Social voltada para pessoas a partir de 60 anos e em situação de vulnerabilidade social. Tem como objetivo a realização de atividades que potencializam o envelhecimento saudável e o desenvolvimento de autonomia e de sociabilidade. Desta forma, busca contribuir para o fortalecimento de vínculos comunitários e a prevenção de situações de riscos sociais (PORTARIA 46/SMADS/2010). O serviço se inscreve em uma das várias preocupações do Estado brasileiro. Em São Paulo, integra o sistema de proteção social da assistência social por meio de parcerias com entidades filantrópicas da sociedade civil (SARAIVA, 2016).
Para o desenvolvimento da proposta de trabalho do NCI, uma das funções do serviço é a realização de visitas domiciliares aos idosos, durante as quais se realizava o cadastro de novos idosos para as atividades socioeducativas in loco e/ou para o acompanhamento domiciliar. Tais visitas são realizadas pelos técnicos: o psicólogo ou o assistente social. Foi durante as visitas domiciliares que algumas questões se evidenciaram. Por exemplo, era notável a falta de informações sobre as políticas públicas voltadas para os idosos. Muitos não conheciam ou não compreendiam o trabalho do NCI. Além disso, em diversas ocasiões, demonstravam resistência e descrença de que o serviço era oferecido de forma gratuita. Ou, ao contrário, viam o trabalho de forma caritativa, esperando receber cesta básica, roupas, entre outros. Ou seja, buscavam acesso à ajuda, mas não necessariamente entendiam o serviço como uma política pública. Foi nesse processo que nós, como psicólogas do NCI, começamos a questionar se a falta de informações não poderia ser compreendida como efeito da invisibilidade desse serviço.
Embora a população idosa possua direitos específicos como cidadãos, muitas vezes não usufruem deles - ainda que possam precisar. Neste sentido, Coimbra, Lobo e Nascimento (2008) apontam que apesar de todos os homens nascerem livres e iguais em dignidade e direitos, os direitos à vida e à dignidade sempre estiveram fora do alcance para algumas populações, como os idosos e as pessoas com deficiência. Isso se daria por serem considerados como “marginais”, “subalternos” e não pertencentes ao gênero humano.
Coimbra, Lobo e Nascimento (2008) relatam, ainda, que o Estado atuaria numa lógica de socorro às vítimas e de assegurar os direitos delas contra o sofrimento, oferecendo o mínimo necessário para o consumo e equilibrando entre a falta e o gozo, entre o pedido e o favor. Em outras palavras, é o “salário mínimo para “proteger” o trabalhador, a bolsa mínima para “reparar” o dano da miséria” (p.98), programas assistenciais compensatórios, obrigando os considerados “subalternos” a “buscar abrigo na esperança de dias melhores, aplacando a potência de agir e de inventar, através da obediência e do conformismo” (p.98).
O Estado, ao produzir ordem de socorro às vítimas, cria programas sociais compensatórios para essa população, como o NCI. Compensatório porque o NCI faz parte da rede socioassistencial desde a criação do Estatuto do Idoso. Hoje, na cidade de São Paulo, existem 90 NCI para acolher em média 11.000 idosos. Um número que mostra a escassez de serviços para a demanda da população. Assim, de forma paradoxal, mesmo que possa ser tido como uma política compensatória, é evidente sua importância ao trabalho com a população idosa.
Vale ressaltar que as dificuldades mencionadas neste ensaio são específicas das experiências das autoras. Assim, surge a questão de como tem sido a experiência dos outros serviços voltados para idosos ou dos NCI de outros territórios. E, para finalizar, considerando que atualmente a população paulista de idosos é de 7,31 milhões (JORNAL USP), enquanto existem 90 NCI na cidade (PREFEITURA DE SÃO PAULO), será que essa discrepância numérica contribui para a invisibilidade do NCI? Essa é uma questão que fica para futuros ensaios.
REFERÊNCIAS
COIMBRA, Cecília Maria Bouças; LOBO, Lilia Ferreira; NASCIMENTO, Maria Lívia do. Por uma invenção ética para os direitos humanos. Psic. Clin., Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 89-102, 2008.
SÃO PAULO (Estado). Núcleo de Convivência de Idosos (NCI), São Paulo. Disponível:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/idosos/index.php?p=331340. Acesso em: 22 nov. 2023.
SÃO PAULO (Estado). Portaria 46/SMADS/2010, de 22 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a tipificação da rede socioassistencial do município de São Paulo e a regulação de parceria operada por 56 convênios, São Paulo. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/arquivos/portarias/portaria_46-2010.pdf. Acesso em: 22 mar. 2021.
SARAIVA, Luís Fernando de Oliveira. A familiarização da assistência social: promoção de direitos e gestão da vida no encontro entre vulnerabilidades. (des) proteção e periculosidade. 2016. 209 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Aumento o número de idosos do estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/aumenta-o-numero-de-idosos-do-estado-de-sao-paulo/#:~:text=De%20acordo%20com%20os%20dados,7%2C31%20milh%C3%B5es%20de%20paulistas. Acesso em: 22 nov. 2023.
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